quarta-feira, 26 de março de 2014

Justiça brasileira muda política de adoção de crianças

CNJ permitirá que crianças "mais velhas" e grupos de irmãos sejam adotados por estrangeiros. (Foto: Divulgação)
Uma resolução que deve ser aprovada nesta segunda-feira pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai permitir que casais estrangeiros ou brasileiros residentes no exterior sejam incluídos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). O objetivo é aumentar as adoções de crianças com mais idade e também de grupos de irmãos.
 
O texto foi preparado após mais de um ano e meio de discussões. A expectativa de conselheiros e especialistas na área é de que seja aprovada. Dados atualizados do cadastro nacional mostram que há mais de 30 mil pretendentes a adotar e 5,4 mil crianças aptas à adoção. Os números levariam a crer que todas as crianças seriam adotadas, mas a realidade é outra.
 
Cerca de 98% dos pretendentes à adoção no país querem crianças com menos de 7 anos de idade. Só que as crianças nessa faixa etária são menos de 10% das disponíveis para a adoção. A grande maioria dos que procuram um lar são crianças e adolescentes entre 9 e 16 anos. Outro dado indica que 75% dos jovens que esperam ser adotados têm irmãos também disponíveis para adoção. E a Justiça sempre busca que eles sejam adotados juntos para não perderem o vínculo familiar. Entre os pretendentes, 80% querem adotar uma única criança.
 
Para o conselheiro do CNJ Guilherme Calmon, que coordena o grupo de cooperação jurídica internacional do Conselho, a relação entre crianças disponíveis e pretendentes no cadastro "não se encaixa". Segundo ele, a inclusão de estrangeiros visa permitir que mais crianças tenham uma família. "As crianças mais velhas, grupos de irmãos, estão num perfil daqueles que não são procurados. E o perfil de criança que o estrangeiro quer adotar não é o mesmo do pretendente nacional", diz Calmon.
 
A lei brasileira já permite que estrangeiros adotem crianças brasileiras. Atualmente, essas adoções ocorrem diretamente nos tribunais estaduais, sem passar pelo cadastro nacional. "A adoção internacional é exceção da exceção. O ideal é que a criança fique na sua família natural, e a adoção já é uma exceção. Mas verificamos que o cadastro não serve para a adoção internacional. Então, precisamos atualizar para permitir que mais crianças sejam favorecidas. Temos inúmeros casos de crianças que não são adotadas, ficam mofando nos abrigos e chega uma idade que ninguém mais quer saber de adotar", destaca.
 
Especialistas preveem melhorias

A advogada Nádia de Araujo, especializada em Direito Internacional e que atua na área de adoção, concorda que os estrangeiros são mais abertos que os brasileiros. "Acho que vai dar transparência para a adoção internacional e facilitar a adoção de crianças cujo perfil os casais residentes no Brasil não querem", destaca Nádia. Presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Suzana Schettini destaca que a partir de agora será possível saber onde os estrangeiros adotam as crianças. "Ficava sempre na obscuridade. Isso vai dar transparência e permitir o cruzamento de dados. Os estrangeiros são mais abertos a grupos de irmãos e até crianças com deficiência." O desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco Luiz Carlos Figueiredo participou dos debates no CNJ e concorda que a medida será positiva. Ele destaca que, antes do cadastro nacional, não se tinha informação sobre se o estrangeiro era ou não favorecido ante brasileiros. Isso vai dar transparência, e as adoções internacionais podem voltar a subir.
 
Principais destinos são Itália e França

Para adotar uma criança, o estrangeiro atualmente se habilita em seu país por intermédio de uma entidade credenciada pela Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf), ligada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República do Brasil. Passa por uma preparação e envia a documentação para as Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção, que tentam localizar as crianças. Depois que o juiz analisa o caso e permite a adoção, é iniciado o procedimento de emissão de passaporte para o adotado. O casal estrangeiro ou residente no exterior precisa ficar um mês com a criança no Brasil sob supervisão.
 
A Acaf acompanha a adoção por mais dois anos. Segundo o coordenador-geral da Acaf, George Lima, em 2013 cerca de 300 crianças foram adotadas no Brasil. Os principais destinos foram Itália e França. Lima diz que o governo espera que o CNJ aprove a inclusão dos estrangeiros no cadastro nacional. "A criança, quando vai para adoção, passa por um processo de destituição do poder familiar. Não queremos incentivar a adoção internacional, mas permitir que mais crianças tenham uma família."
 
* Correio do Povo

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