A caminho do Ministério Público de Contas (MPC), o relatório da
auditoria realizada por técnicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE)
nas finanças da prefeitura de Bento Gonçalves abrirá caminho para um
trâmite que pode levar até três anos para ser concluído. O documento,
distribuído em 11 volumes e com cerca de 3,6 mil páginas, remonta os
gastos da administração municipal nos anos de 2011 e 2012, impulsionados
pela crise financeira que atingiu a prefeitura após supostos desvios de
recursos que teriam sido maquiados com uma “bagunça” generalizada na
contabilidade pública.
Somente depois do parecer do MPC, que não tem prazo para ser emitido,
o processo se tornará público. Enquanto isso, o material também é
remetido para ex-ordenador de despesas, no caso o então prefeito Roberto
Lunelli, para que apresente a sua defesa. A etapa seguinte é a de
instrução, em que há o confrontamento com as alegações apresentadas pelo
ex-gestor e na qual, se não comprovadas, algumas irregularidades
levantadas pelos auditores podem ser afastadas.
Na sequência, o processo volta para o conselheiro relator. Nessa
fase, devem ser emitidos pareceres sobre eventuais devoluções de
valores, aplicação de multas e a aprovação ou não das contas
investigadas. De acordo com o coordenador do Serviço Regional de
Auditoria do TCE, César Cavion, não está descartada a possibilidade de
que novas informações sejam solicitadas ao órgão durante o andamento
processual. “De nossa parte, o trabalho está concluído. Tivemos algumas
limitações, principalmente em função de sigilos dos mais diversos, mas,
frente à expectativa que tínhamos, o resultado é bastante satisfatório”,
avalia.
É dele a estimativa de que a conclusão do processo deva se dar
somente daqui a três anos, principalmente em função de recursos que
podem ser utilizados por futuros acusados. “É preciso respeitar sempre o
direito à defesa e ao contraditório. Do contrário, se houver um
julgamento precipitado, todo nosso trabalho pode ir por água abaixo”,
justifica Cavion. Segundo o coordenador, o material já foi remetido
eletronicamente ao MPC, mas o envio dos arquivos físicos de Caxias do
Sul – onde está o escritório regional – a Porto Alegre atrasou em função
da greve dos Correios.
Citações
No final de janeiro deste ano, a prefeitura citou, em editais
publicados na imprensa, o nome de 12 pessoas e empresas envolvidas em
processos administrativos referentes a pagamentos que teriam sido feitos
de forma irregular no governo anterior. No total, a administração pede o
ressarcimento de mais de R$ 1,2 milhão aos cofres públicos.
O motivo da cobrança seria o fato de que os serviços mencionados nos
editais não foram prestados ou os bens adquiridos não foram entregues ao
município. O valor mais alto refere-se ao contrato da prefeitura com a
Fundação José Bonifácio, do Rio de Janeiro, que recebeu inicialmente R$
840 mil e, na sequência, outros R$ 30 mil como aditivo – e ambos os
valores sem licitação –, para prestar consultoria sobre a gestão da
folha de pagamento do funcionalismo público.
Relembre o caso
Em agosto de 2012, de forma discreta, a Coordenadoria de Tecnologia
de Informação e Comunicação (CTEC) abriu um processo administrativo para
investigar movimentações financeiras suspeitas registradas no sistema
da prefeitura. Foram encontradas várias irregularidades em empenhos, e
os relatórios do procedimento interno teriam sido entregues ao então
secretário de Finanças, Olívio Barcelos de Menezes, no dia 24 do mesmo
mês.
Segundo a então diretora da CTEC, Rita de Cássia dos Santos, que
prestou depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das
Finanças, no final de 2012, as alterações teriam sido feitas
exclusivamente pelos usuários “Luana” e “Admin” (administrador). A
ex-coordenadora de Compras, Licitações e Patrimônio, Luana Della Valle
Marcon, que havia sido contratada em maio de 2011, era a detentora das
duas senhas. Ela foi exonerada do cargo no final de agosto e, em
setembro, Menezes registrou um Boletim de Ocorrência (BO) pelo crime de
peculato. No dia 11 de outubro, o secretário também foi demitido.
Quatro dias depois, Lunelli admitiu o rombo nos cofres municipais,
que depois seriam calculados em R$ 51 milhões. A última informação
divulgada pela administração municipal, ainda no ano passado, indicava
que os desvios chegariam a pelo menos R$ 421 mil. A desordem no
orçamento, que resultou em realização de obras sem a garantia de
contrapartida, por exemplo, seria uma forma de esconder a ação
fraudulenta.
O ex-prefeito afirmou que acreditava que os furtos teriam começado em
dezembro de 2011, quando foi instalado o novo sistema de informática na
secretaria. Apesar de pagar as quantias corretas a serviços prestados
por empresas ao Poder Público, os gastos eram registrados com valores
maiores – era esse excedente que teria a destinação desviada.
Reportagem: Jornal SerraNossa - Jorge Bronzato Jr.
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