O projeto para mudança da Lei do Motorista, aprovado por comissão
especial na Câmara dos Deputados, está causando polêmica. A principal
alteração é a permissão para guiar durante seis horas consecutivas. Pela
legislação vigente, o condutor precisa fazer uma parada de pelo menos
meia hora a cada quatro na direção. O texto segue tramitando na Casa em
regime de prioridade e existem vários requerimentos de urgência.
“A proposta é muito ruim. Se aprovada, teremos uma situação pior do que
a ausência da lei. É um mecanismo para legitimar o atual sistema”,
declara o coordenador nacional do programa Jornada Legal, procurador do
Ministério Público do Trabalho (MPT) Paulo Douglas Almeida de Moraes.
“Quando se dirige por mais de 16 horas, o motorista, inegavelmente,
precisa lançar mão de drogas para se manter acordado. Diante disso, todo
mundo corre riscos”, declara.
De acordo com uma pesquisa do MPT, realizada em 2012, 30% dos
motoristas no Brasil usam cocaína ou outras substâncias, como
anfetamina, além de barbitúrico, para poder pegar no sono. “Isso
significa que, além de drogados, eles não conseguem mais dormir. Cerca
de 600 mil estão sob efeito de drogas no país”, diz.
Ainda conforme Moraes, a alteração propõe que os viciados sejam
penalizados com justa causa. “Entendemos que o motorista dependente não
pode continuar dirigindo, mas ele deve ser tratado”, argumenta.
A lei em vigor prevê, para os motoristas empregados, jornada diária de
oito horas, com duas extras, e semanal de 44 horas, com intervalo mínimo
de uma hora para refeição e descanso semanal de 35 horas. A pausa a
cada dia deve ser de 11 horas. “A nossa proposta é flexibilizar para que
o motorista possa planejar sua viagem”, explica o relator, deputado
Valdir Colatto (PMDB). Uma das possibilidades seria dividir o horário de
descanso noturno, ficando oito horas para o sono e outras duas para
usar durante e jornada.
“O governo fez a regra para os outros, mas não fez a sua parte. Não há
pontos de parada”, declara. Segundo ele, um dos objetivos é garantir
segurança social. “Desde que a lei entrou em vigor, o roubo de cargas
aumentou 18%”, declara. Para os autônomos, a proposta é diferenciada, já
que eles não enquadram nas leis trabalhistas. “A jornada é de 14 horas e
para por outras dez horas”, explica.
Insatisfação provocou protestos
A insatisfação com a qualidade de trabalho da categoria resultou, no
ano passado, em protestos e greve, quando 92 pontos em rodovias federais
e estaduais em dez estados ficaram bloqueados, de acordo com balanço da
Polícia Rodoviária Federal. No Rio Grande do Sul, foram 35 interrupções
em sete estradas.
Cerca de 50 caminhões e duas viaturas da Polícia Rodoviária foram
apedrejados e dez manifestantes foram presos por formação de quadrilha.
Além disso, Renato Lang Kranlow, 44 anos, morreu ao ser atingido por uma
pedra, quando teria tentado furar o bloqueio na BR 116, em Cristal.
Entre as reivindicações de redução de pedágios e do valor da gasolina,
uma parte dos motoristas pedia aprovação da mudança da Lei do Motorista.
O presidente do Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC), Nélio
Botelho, afirma que a legislação veio em boa hora, porém, existem
problemas em alguns itens, por isso a necessidade de alterar. “É
impossível fazer pausa de 11 horas ininterruptas. Também é inviável
rodar quatro horas em rodovias com muito fluxo”, destaca.
Conforme ele, houve mais debate com a categoria durante a alteração da
lei do que no período de sua criação. “Avaliamos tudo aquilo que foi
sugerido pelo setor. O texto de alteração tem nossa total aprovação”
ressalta. Na opinião de Botelho, o motorista é induzido a trabalhar
mais. “Está relacionado com a péssima remuneração. Se tivesse um salário
bom, não precisava da lei. Cada um poderia planejar o trabalho”,
afirma.
O presidente da MUBC considera que, se a lei seguir como está, a
maioria dos motoristas perderá o emprego e os autônomos reduzirão o
faturamento. “Já existe uma defasagem de 60 mil caminhoneiros no Brasil.
Se a lei se aplicar, isso multiplicaria o déficit por três”, salienta.
Abramet sugere 6 horas por dia
O diretor do Departamento de Medicina Ocupacional da Associação
Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Dirceu Alves Filho, defende
uma jornada total de seis horas diárias. “Não podemos entender que este
homem fique seis horas dirigindo. Esse deveria ser o tempo máximo,
porque com quatro horas e submetido a outros fatores, ele tem lapsos de
atenção e a possibilidade de acidentes aumenta”, declara.
De acordo com Alves Filho, guiar por oito horas, mesmo com pausas, pode
resultar em déficit nos reflexos. “Com oito horas, o risco de acidentes
é duas vezes maior”, salienta. O médico explica que além do tempo de
atuação, o condutor está exposto ao barulho, vibração, variações de
temperatura, produtos químicos, vapores e fuligem. Também sofre com
problema na postura. “É um trabalho repetitivo. Eles dormem de modo
inadequado no interior do veículo”, comenta.
Mesmo que seja aprovada a mudança, o presidente da Federação dos
Caminhoneiros Autônomos dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa
Catarina (Fecam), Éder Dal’Lago, afirma que os motoristas continuarão
fazendo as paradas. “Ele tem que descer, olhar os pneus. É muito difícil
que fique em cima do volante por seis horas”, destaca. Ele defende o
descanso de oito horas.
* Correio do Povo
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