quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Especialista traça perfil dos jovens que participam dos rolezinhos

Eles pertencem fundamentalmente à classe C e têm potencial de consumo (R$ 129 bilhões por mês) maior do que as classes A, B e D juntas (R$ 99 bilhões por mês)

"Esse país, que reúne 155 milhões de brasileiros, não quer discutir o passado, quer discutir o futuro. É isso que vai ditar a pauta eleitoral"
'Esse país, que reúne 155 milhões de brasileiros, não quer discutir o passado, quer discutir o futuro. É isso que vai ditar a pauta eleitoral' (Patrícia Cruz/Divulgação)
Presidente do Instituto Data Popular, Renato Meirelles traça, por meio de pesquisa da empresa, um perfil dos jovens que têm assustado shoppings e parte dos frequentadores dos grandes centros comerciais pelo país. Eles pertencem fundamentalmente à classe C e têm potencial de consumo (R$ 129 bilhões por mês) maior do que as classes A, B e D juntas (R$ 99 bilhões por mês). Então, por que assustam? “Os rolezinhos esfregam na cara da sociedade que a renda cresceu numa velocidade muito maior do que a democratização dos espaços de consumo”, analisa.

Esses jovens estão inseridos em um “país imaginário”, traçado no mais recente levantamento do instituto, divulgado esta semana. Este país é formado pelas classes C, D e E do Brasil, que, hoje, juntas seriam o oitavo país do mundo em população e o 16º em consumo.

Para Meirelles, esse público será decisivo nas eleições presidenciais. “A discussão na eleição não vai ser o controle da inflação — legado do PSDB — versus democratização do consumo e melhora da renda — legado do ex-presidente Lula. Essa discussão vai ser pautada pelos jovens do novo país.” Confira a seguir os principais trechos da entrevista de Meirelles ao Correio.


Público

Descobrimos (em pesquisa) que os jovens da classe C são a maioria absoluta dos frequentadores de shoppings. Depois disso, vimos o quanto eles consumiam. Eles gastam mais do que a soma das classes A, B e D juntas, o que pode ser uma oportunidade (para os shoppings).

Jovens no rolê

Esses jovens que frequentam os shoppings são os adolescentes da nova classe média brasileira. São os filhos daquelas pessoas que melhoraram de vida nos últimos anos e que cresceram num universo sem tantas restrições orçamentárias. Cresceram tendo a certeza de que entrariam numa faculdade, que não teriam que parar de estudar para trabalhar. Mas que, mesmo assim, trabalham para ajudar na renda familiar. Enxergam no shopping um local corriqueiro para andar, seguro, no qual é possível se encontrar com amigos, onde há ar-condicionado e uma praça de alimentação decente.

O papel da rede

Além da questão econômica, a internet é fundamental para entender o que está acontecendo. Todas as classes sempre combinaram com amigos de se encontrar no shopping. Só que a rede social tem feito surgir pequenas celebridades da periferia, que são desconhecidas do grande público. Esses jovens, que têm 20, 30, 40 mil seguidores, querem se reunir com as pessoas. Marcam de se encontrar num local que acham mais adequado, que conhecem. E eles conhecem muito bem os shoppings. As pessoas não entendem ainda a força disso.

Conciliação

Se eu fosse dono de shopping, lançaria uma grande campanha: jovem, seja bem-vindo, traga a sua família, venha. É óbvio que não é zona. A questão é fazer com que essas novas celebridades da periferia não marquem no mesmo dia. Vamos criar condições. Programar essas reuniões para momentos de baixo fluxo nos shoppings, domingo de manhã, por exemplo, de alguma forma que não cause maior incômodo para outros frequentadores.

Espaços públicos

Os jovens das classes A e B também fazem rolezinho. Quando tem calourada na Universidade de São Paulo, vão para o Shopping Eldorado. O que quero dizer é que o jovem vai continuar indo ao shopping, independentemente dos espaços públicos, o que não significa que não faltam espaços na periferia. Óbvio que falta e isso deve ser incentivado. Mas não é a causa dos rolezinhos.

Discussão política

A ida ao rolezinho não tem nenhuma motivação política. Mas a consequência virou uma discussão política, porque, obviamente, os rolezinhos esfregam na cara da sociedade que a renda cresceu numa velocidade muito maior do que a democratização dos espaços de consumo. E os espaços de consumo que eram exclusivos da elite passaram a ser ocupados por outras classes, que adquiriram condição de comprar. E (essa discussão) não é só em relação ao rolezinho. Vem ocorrendo. Todo mundo se lembra da revolta de parte dos moradores de Higienópolis (bairro de São Paulo), porque (o governo) queria fazer metrô lá, o que ia atrair gente “diferenciada”. Todo mundo já ouviu aquela frase: “Esse aeroporto virou uma rodoviária”, o que tem, na verdade, como pano de fundo, é o incômodo com essa democratização. Sejam bem-vindos! Não lutamos tanto pela democratização da renda? Chegamos a ela. E ainda vemos gente falando frases como “é um absurdo os direitos das empregadas”, quase um “agora elas estão achando que são gente”. Mas a intenção era essa. Nos países desenvolvidos, o emprego doméstico é muito bem remunerado. Por que não ser no Brasil?

O país imaginário

Criamos um país imaginário (em nova pesquisa) chamado classe C, D e E do Brasil. Esse país movimentou R$ 1,27 trilhão (em 2013). Ele seria o oitavo maior país do mundo em população e o 16º em consumo. Estaria no G20 do consumo mundial. Esse país teve um crescimento de renda real muito maior do que a elite do Brasil. No entanto, ainda há desigualdades. Esse país tem um número considerável de analfabetos e quase 20 milhões de domicílios sem esgoto. Mas é um país próspero e otimista antes de tudo. Mais de 60% desse país, chamado periferia, acha que a vida melhorou, e pelo próprio mérito, o que o torna otimista em relação ao futuro.

Eleições

Esse país imaginário acredita que deve ter um governo que ofereça educação gratuita e saúde de qualidade para todos. Esse país tem mais de 40% de mulheres que são chefes de família e 60% são negros. É esse país que vai definir o cenário eleitoral da próxima eleição presidencial. É um país mais conectado do que no passado, em especial os jovens. É um país que tem esse jovem como novo formador de opinião, porque ele estudou mais do que o pai. E esse jovem vai querer discutir futuro. Quer saber o que vai ser o Bolsa Família 2.0. Vai ter emprego para o meu pai? Vai ter política de educação para meu filho? Esse país tem também a mulher como grande protagonista. E ele não quer mais cesta básica, quer plano nacional de banda larga. Esse país, que reúne 155 milhões de brasileiros, não quer discutir o passado, quer discutir o futuro. Quem é o político ou o governante que vai ser capaz de me levar adiante? É isso que vai ditar a pauta eleitoral.

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