sexta-feira, 23 de maio de 2014

Juiz encerra andamento de investigação na Câmara de Bento

Estava sendo julgado uma possível quebra de decoro entre os vereadores
Ênio De Paris e Moacir Camerini

Foi encerrada pela Justiça a ação da Comissão Temporária designada para investigar a possível quebra de decoro parlamentar do então vereador Ênio De Paris na Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves. A comissão foi instaurada para apurar a conduta de De Paris, que supostamente invadiu o gabinete do vereador Moacir Camerini, ofendendo o legislador e seu assessor no dia 16 de janeiro. A ação foi registrada na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA).


Os atos da comissão foram suspensos no mês de fevereiro. Em maio, foi aceito o mandado de segurança do advogado de defesa do De Paris, Adroaldo Dal Mas, contra a vereadora Marlen Peliciolie (presidente da comissão) e contra o vereador Valdecir Rubbo (presidente do legislativo), por irregularidade na formação e na conduta da comissão. A decisão foi tomada por falta de acesso de De Paris a documentação e pela criação da comissão, que vai de encontro ao Regimento Interno da Câmara.

Confira o parecer do Juiz de Direito João Paulo Bernstein:  

 “Trata-se de mandado de segurança por meio do qual busca, o impetrante, a anulação de “todos os atos e trâmites da Comissão Temporária instaurada para apurar eventual falta de decoro parlamentar por parte do impetrante”, bem como a constituição da mesma.

Em verdade, há duas situações distintas a serem analisadas: a falta de acesso à toda a documentação e atos contidos no procedimento realizado pela “Comissão Temporária” e a instauração e atos realizados pela “Comissão Temporária”.

Primeiramente, e por ser questão prejudicial, analiso o ponto concernente a legalidade da Comissão Temporária constituída.

Analisando mais detidamente nesse momento o Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves, observo que o mesmo dispõe, em seu art. 28, II, que são três os tipos de comissões temporárias que podem ser instaladas: a) de Inquérito; b) Especiais; c) Externa.

A Resolução nº 100/14, da Câmara Municipal de Bento Gonçalves (“Designa Comissão Temporária para avaliar possível quebra de decoro parlamentar” - v. fl. 121) não esclarece qual o tipo de comissão temporária que está sendo criada, não faz qualquer referência aos dispositivos legais que amparam sua criação.

Dessa forma, impõe-se classificar a Comissão Temporária criada pela Resolução nº 100/14, a fim de analisar-se se satisfaz os requisitos legais (previstos no Regimento Interno da Câmara) para a sua constituição.

Afinal, a Administração Pública, como cediço, está adstrita, dentre outros, ao princípio da legalidade.

Meirelles leciona:

A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não pode se afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido (...). A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei. (...) A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.

A comissão externa visa representar a Câmara em atos externos (art. 40 do RI – v. fl. 20 dos autos), não sendo o caso do presente feito.

A comissão especial destina-se ao estudo de matéria de relevância (art. 38 do RI), o que também não parece se amoldar à hipótese ora sub judice.

A comissão de inquérito, por sua vez, tem por objetivo apurar fato determinado, tendo prazo certo (art. 39 do RI).

Considerando-se que a Comissão Temporária designada pela Resolução nº 100/14 foi criada para “avaliar possível quebra de Decoro Parlamentar do Vereador Enio de Paris” (v. fl. 121), parece evidente que a Comissão Temporária criada pela referida resolução foi uma Comissão Temporária de Inquérito.

Ora, se a Comissão Temporária está diligenciando a ocorrência ou não do encontro dos personagens nas dependências internas daquela Casa Legislativa (como afirma o segundo impetrado – fl. 80, “2.5”) e se está apenas “a colher informações acerca da existência do fato noticiado” (como alega a primeira impetrada – fl. 125), não é necessário grande exercício mental ou capacidade de interpretação de texto para concluir-se, tranquilamente, que o que está fazendo a dita Comissão Temporária é investigar os fatos que deram azo à sua instauração.

Saliento, por necessário, que o simples fato de ter a autoridade que criou a Comissão, optado por, convenientemente, omitir do ato de criação o tipo expresso da Comissão, não lhe retira o seu caráter de Comissão de Inquérito, especialmente porque está a administração adstrita aos limites da lei, no caso, aos três tipos de comissão temporária que pode criar.

Pois bem! Estabelecido o tipo de comissão criado pela Resolução nº 100/14 da Câmara Municipal de Bento Gonçalves, possível é a análise da legalidade de sua criação.

Consoante dicção do art. 39 do Regimento Interno da Câmara Municipal Bento Gonçalves, “As Comissões de Inquérito” serão criadas através de requerimento de 1/3 (um terço) dos membros da câmara, ou por meio de proposta legislativa aprovada pelo Plenário...”.

Simples análise dos autos, em especial do próprio ato constitutivo da Comissão Temporária (a Resolução nº 100/14 – fl. 121), já permite afirmar que a constituição da Comissão não obedeceu ao rito previsto no Regimento Interno, uma vez que fora designada apenas com base em representação encaminhada por um Edil (v. fls. 31/32), quando deveria ter sido subscrito, o requerimento, por 1/3 dos membros da casa legislativa, ou por proposta legislativa aprovada pelo Plenário.

A jurisprudência tem sido reiterada no sentido de anular Comissões Parlamentares de Inquérito quando inobservados os requisitos regimentais para sua instauração. Vejamos:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. CÂMARA MUNICIPAL DE HUMAITÁ. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. COMISSÃO PROCESSANTE. VEREADORA. PROCEDER DE MODO INCOMPATÍVEL COM A DIGNIDADE DA CÂMARA E POR FALTA DE DECORO. VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO NÃO DEMONSTRADAS. Não demonstrando a Vereadora denunciada violação à ampla defesa e ao contraditório por comissão parlamentar instaurada a fim de verificar proceder de modo incompatível com a dignidade da Câmara e falta de decoro, não há como se declarar a nulidade do procedimento. Precedentes do TJRS e STJ. Apelação com seguimento negado. (Apelação Cível Nº 70055612261, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 05/08/2013)

Ementa: REEXAME NECESSÁRIO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. FATO DETERMINADO. ARTIGO 53, § 8.º, CF. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. Afigura-se acertada a sentença que concedeu a segurança para declarar a nulidade da instauração da CPI quanto ao primeiro fato apontado, qual seja, possíveis irregularidades na Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo, ante a ausência de indicação de fato determinado, como exige o artigo 58, § 3.º, Constituição Federal. (Reexame Necessário Nº 70051835031, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 26/11/2012)

Portanto, em face da flagrante e evidente irregularidade na constituição da Comissão Temporária, impositiva é a concessão do presente mandamus, para o fim de serem declarados nulos os atos e trâmites da Comissão Temporária, bem como a própria constituição da Comissão, tornando-se definitiva a tutela antecipada concedida, sem prejuízo, obviamente, de que os fatos venham a ser investigados por Comissão regularmente constituída.

Por fim, apenas a título de argumentação, pondero que, ainda que se acolha a alegação dos impetrados, de que a Comissão Temporária criada pela Resolução nº 100/14 não é Comissão Temporária de Inquérito, a concessão da ordem para determinar a anulação dos atos e trâmites da Comissão Temporária, eis que constituída em flagrante desacordo com o Regimento Interno.

Pelo exposto, CONCEDO a segurança impetrada, para o fim de, reconhecendo a nulidade do ato constitutivo da Comissão Temporária designada pela Resolução nº 100/14 da Câmara Municipal de Bento Gonçalves, tornar definitiva a liminar concedida nas fls. 66/67, anulando todos os atos e trâmites da aludida Comissão Temporária, nos termos da fundamentação supra, e com supedâneo legal do artigo 5º, LXIX, da Constituição Federal.

Diante da sucumbência, condeno os demandados ao pagamento das custas e despesas processuais (observadas as isenções legais). Sem condenação em honorários advocatícios (Súmula 512 do STF).

O feito está sujeito ao duplo grau necessário (art. 14, § 1º, da Lei 12.016/2009), razão pela qual, decorrido o prazo para a interposição de recurso voluntário pelas partes, remeta-se os autos a Superior Instância para o reexame necessário.”

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