Estava sendo julgado uma possível quebra de decoro entre os vereadores
Ênio De Paris e Moacir Camerini
Foi encerrada pela Justiça a
ação da Comissão Temporária designada para investigar a possível quebra
de decoro parlamentar do então vereador Ênio De Paris na Câmara de
Vereadores de Bento Gonçalves. A comissão foi instaurada para apurar a
conduta de De Paris, que supostamente invadiu o gabinete do vereador
Moacir Camerini, ofendendo o legislador e seu assessor no dia 16 de
janeiro. A ação foi registrada na Delegacia de Polícia de Pronto
Atendimento (DPPA).
Confira o parecer do Juiz de Direito João Paulo Bernstein:
“Trata-se de mandado de segurança por meio
do qual busca, o impetrante, a anulação de “todos os atos e trâmites da
Comissão Temporária instaurada para apurar eventual falta de decoro
parlamentar por parte do impetrante”, bem como a constituição da mesma.
Em verdade, há duas
situações distintas a serem analisadas: a falta de acesso à toda a
documentação e atos contidos no procedimento realizado pela “Comissão
Temporária” e a instauração e atos realizados pela “Comissão
Temporária”.
Primeiramente, e por ser questão prejudicial, analiso o ponto concernente a legalidade da Comissão Temporária constituída.
Analisando mais detidamente
nesse momento o Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Bento
Gonçalves, observo que o mesmo dispõe, em seu art. 28, II, que são três
os tipos de comissões temporárias que podem ser instaladas: a) de
Inquérito; b) Especiais; c) Externa.
A Resolução nº 100/14, da
Câmara Municipal de Bento Gonçalves (“Designa Comissão Temporária para
avaliar possível quebra de decoro parlamentar” - v. fl. 121) não
esclarece qual o tipo de comissão temporária que está sendo criada, não
faz qualquer referência aos dispositivos legais que amparam sua criação.
Dessa forma, impõe-se
classificar a Comissão Temporária criada pela Resolução nº 100/14, a fim
de analisar-se se satisfaz os requisitos legais (previstos no Regimento
Interno da Câmara) para a sua constituição.
Afinal, a Administração Pública, como cediço, está adstrita, dentre outros, ao princípio da legalidade.
Meirelles leciona:
A legalidade, como
princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o
administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito
aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não pode se
afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido (...). A eficácia
de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da
lei. (...) A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o
administrador público significa “deve fazer assim”.
A comissão externa visa
representar a Câmara em atos externos (art. 40 do RI – v. fl. 20 dos
autos), não sendo o caso do presente feito.
A comissão especial
destina-se ao estudo de matéria de relevância (art. 38 do RI), o que
também não parece se amoldar à hipótese ora sub judice.
A comissão de inquérito, por sua vez, tem por objetivo apurar fato determinado, tendo prazo certo (art. 39 do RI).
Considerando-se que a
Comissão Temporária designada pela Resolução nº 100/14 foi criada para
“avaliar possível quebra de Decoro Parlamentar do Vereador Enio de
Paris” (v. fl. 121), parece evidente que a Comissão Temporária criada
pela referida resolução foi uma Comissão Temporária de Inquérito.
Ora, se a Comissão
Temporária está diligenciando a ocorrência ou não do encontro dos
personagens nas dependências internas daquela Casa Legislativa (como
afirma o segundo impetrado – fl. 80, “2.5”) e se está apenas “a colher
informações acerca da existência do fato noticiado” (como alega a
primeira impetrada – fl. 125), não é necessário grande exercício mental
ou capacidade de interpretação de texto para concluir-se,
tranquilamente, que o que está fazendo a dita Comissão Temporária é
investigar os fatos que deram azo à sua instauração.
Saliento, por necessário,
que o simples fato de ter a autoridade que criou a Comissão, optado por,
convenientemente, omitir do ato de criação o tipo expresso da Comissão,
não lhe retira o seu caráter de Comissão de Inquérito, especialmente
porque está a administração adstrita aos limites da lei, no caso, aos
três tipos de comissão temporária que pode criar.
Pois bem! Estabelecido o
tipo de comissão criado pela Resolução nº 100/14 da Câmara Municipal de
Bento Gonçalves, possível é a análise da legalidade de sua criação.
Consoante dicção do art. 39
do Regimento Interno da Câmara Municipal Bento Gonçalves, “As Comissões
de Inquérito” serão criadas através de requerimento de 1/3 (um terço)
dos membros da câmara, ou por meio de proposta legislativa aprovada pelo
Plenário...”.
Simples análise dos autos,
em especial do próprio ato constitutivo da Comissão Temporária (a
Resolução nº 100/14 – fl. 121), já permite afirmar que a constituição da
Comissão não obedeceu ao rito previsto no Regimento Interno, uma vez
que fora designada apenas com base em representação encaminhada por um
Edil (v. fls. 31/32), quando deveria ter sido subscrito, o requerimento,
por 1/3 dos membros da casa legislativa, ou por proposta legislativa
aprovada pelo Plenário.
A jurisprudência tem sido
reiterada no sentido de anular Comissões Parlamentares de Inquérito
quando inobservados os requisitos regimentais para sua instauração.
Vejamos:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL.
DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. CÂMARA MUNICIPAL DE HUMAITÁ. COMISSÃO
PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. COMISSÃO PROCESSANTE. VEREADORA. PROCEDER DE
MODO INCOMPATÍVEL COM A DIGNIDADE DA CÂMARA E POR FALTA DE DECORO.
VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO NÃO DEMONSTRADAS. Não
demonstrando a Vereadora denunciada violação à ampla defesa e ao
contraditório por comissão parlamentar instaurada a fim de verificar
proceder de modo incompatível com a dignidade da Câmara e falta de
decoro, não há como se declarar a nulidade do procedimento. Precedentes
do TJRS e STJ. Apelação com seguimento negado. (Apelação Cível Nº
70055612261, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 05/08/2013)
Ementa: REEXAME NECESSÁRIO.
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. FATO DETERMINADO. ARTIGO 53, § 8.º,
CF. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. Afigura-se acertada a sentença que concedeu
a segurança para declarar a nulidade da instauração da CPI quanto ao
primeiro fato apontado, qual seja, possíveis irregularidades na
Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo, ante a ausência de indicação
de fato determinado, como exige o artigo 58, § 3.º, Constituição
Federal. (Reexame Necessário Nº 70051835031, Vigésima Primeira Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da
Rosa, Julgado em 26/11/2012)
Portanto, em face da
flagrante e evidente irregularidade na constituição da Comissão
Temporária, impositiva é a concessão do presente mandamus, para o fim de
serem declarados nulos os atos e trâmites da Comissão Temporária, bem
como a própria constituição da Comissão, tornando-se definitiva a tutela
antecipada concedida, sem prejuízo, obviamente, de que os fatos venham a
ser investigados por Comissão regularmente constituída.
Por fim, apenas a título de
argumentação, pondero que, ainda que se acolha a alegação dos
impetrados, de que a Comissão Temporária criada pela Resolução nº 100/14
não é Comissão Temporária de Inquérito, a concessão da ordem para
determinar a anulação dos atos e trâmites da Comissão Temporária, eis
que constituída em flagrante desacordo com o Regimento Interno.
Pelo exposto, CONCEDO a
segurança impetrada, para o fim de, reconhecendo a nulidade do ato
constitutivo da Comissão Temporária designada pela Resolução nº 100/14
da Câmara Municipal de Bento Gonçalves, tornar definitiva a liminar
concedida nas fls. 66/67, anulando todos os atos e trâmites da aludida
Comissão Temporária, nos termos da fundamentação supra, e com supedâneo
legal do artigo 5º, LXIX, da Constituição Federal.
Diante da sucumbência,
condeno os demandados ao pagamento das custas e despesas processuais
(observadas as isenções legais). Sem condenação em honorários
advocatícios (Súmula 512 do STF).
O feito está sujeito ao
duplo grau necessário (art. 14, § 1º, da Lei 12.016/2009), razão pela
qual, decorrido o prazo para a interposição de recurso voluntário pelas
partes, remeta-se os autos a Superior Instância para o reexame
necessário.”
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