
No último final de semana, dois jovens perderam a vida após
perseguição policial em Bento Gonçalves. Muitas perguntas sobre os fatos
ainda precisam ser esclarecidas e as respostas para elas deverão
aparecer conforme forem sendo divulgados os resultados da perícia e as
investigações feitas pela Brigada Militar (BM) e pela Polícia Civil
avançarem. Uma análise preliminar aponta para uma infeliz e trágica
sequência de acontecimentos.
A história começa horas antes do
final fatídico, quando dois jovens decidem sair para se divertir com
amigos na localidade de Santa Bárbara, às margens do Rio das Antas.
Danúbio Cruz da Costa, de 20 anos de idade, e Anderson Stiburski, 16,
foram até o local de moto. A ideia era voltar da mesma forma, mas a moto
de um casal de amigos apresentou problemas mecânicos e eles decidiram
emprestar a deles e voltar de carona no baú de uma Fiorino dirigida pelo
também amigo Tiago de Paula, 18 anos. No banco do caroneiro, um
adolescente de 15 anos.
O veículo era emprestado e tem capacidade
para transportar somente duas pessoas. O motorista, que tinha Carteira
Nacional de Habilitação (CNH) Provisória, estaria infringido uma regra
de trânsito por carregar passageiros no compartimento de carga. Essa
atitude, somada ao fato de dirigir sob efeito de bebida alcoólica e
transitar em alta velocidade, foi decisiva para o trágico desfecho
daquela madrugada. Do outro lado, dois policiais sem experiência em
confrontos armados (segundo a própria BM), que trabalhavam em rondas
ostensivas naquela noite, jamais imaginariam que uma abordagem a um
veículo que descumpria a lei terminaria da forma como ocorreu. Um dos
poucos pontos em que as versões são semelhantes é de que houve uma
perseguição depois de o motorista da Fiorino desobedecer às ordens de
parada feitas pelos policiais.
Ironia do destino
Dois
dias antes da abordagem fatal, o 3º Batalhão de Policiamento de Áreas
Turísticas (3º Bpat) havia lançado a “Operação Força-tarefa”, uma ação
para mostrar à comunidade bento-gonçalvense que os órgãos de segurança
estavam trabalhando para tentar diminuir o alto índice de assassinatos
registrado desde o início do ano – o aumento foi de 100% em relação ao
ano passado, computado somente o período de 1º de janeiro a 14 de março.
Por ironia do destino, as estatísticas só pioraram.
Na tarde de
sexta-feira, dia 14, a BM havia efetuado a prisão de dois indivíduos.
Com a dupla, foram encontrados dois revólveres calibre 38, sendo um com
numeração raspada, e R$ 2 mil em dinheiro. Os indivíduos eram suspeitos
de terem roubado uma joalheria de Carlos Barbosa e de terem sequestrado o
condutor de um veículo VW/Gol, na ERS-444, no Vale dos Vinhedos.
A
pressão do momento, a adrenalina, a inexperiência e uma situação de
desobediência dos jovens foram as prováveis causas para que os
policiais, com idades de 23 e 29 anos, atirassem pelo menos 10 vezes
durante a tentativa de fuga da Fiorino. Eles alegam que só revidaram
após terem escutado dois disparos vindos de dentro do veículo. Os
ocupantes sobreviventes defendem que nenhum deles tinha arma e que o
revólver encontrado posteriormente pelos peritos foi “plantado” no
local.
De concreto, sabe-se que a vida das famílias dos jovens
que morreram no confronto, dos que sobreviveram e dos policiais
envolvidos nunca mais será a mesma. O que chama a atenção é que, segundo
informações do comando do 3º Bpat, a conduta da dupla de brigadianos
até então era considerada exemplar dentro da corporação. O comandante,
major José Paulo Marinho, diz que, pelos relatos obtidos até o momento,
não há indícios de que eles tenham agido de forma displicente, pelo
contrário: teriam seguido à risca o “manual”. Os jovens, por sua vez,
não tinham antecedentes criminais, segundo a Polícia Civil. Primeiros
resultados da perícia feita na Fiorino, divulgados na última
quinta-feira, dia 20, pelo coordenador da 2ª Coordenadoria Regional do
Departamento de Perícias do Interior, Airton Kraemer, de forma
preliminar, apontam que disparos não partiram de dentro do baú do
veículo. Segundo ele, porém, essa constatação não descarta a
possibilidade de que tiros possam ter sido disparados de dentro da
cabine.
Resta, agora, juntar provas e relatos para esclarecer
algumas perguntas ainda sem respostas: os rapazes realmente atiraram
contra a viatura da BM, justificando o revide? Como o revólver foi parar
dentro da Fiorino? Havia pólvora nas mãos de algum dos ocupantes que
possa evidenciar a ocorrência dos disparos? De alguma maneira os
policiais tinham como saber que havia pessoas no compartimento de carga
do veículo alvejado?
Entenda como tudo aconteceu
*Na madrugada do último domingo, dia 16, quatro jovens saíram de uma
festa na localidade de Santa Bárbara, às margens do Rio das Antas em uma
Fiat/Fiorino com placas de Teutônia. Na parte da frente do veículo
(destinada a passageiros) estavam o motorista, Tiago de Paula, de 18
anos, e um adolescente de 15 anos de idade. No baú traseiro, destinado
ao transporte de cargas, estavam Anderson Stiburski, 16 anos, e Danúbio
Cruz da Costa, 20 anos. Eles teriam pego carona após emprestar a moto em
que estavam para um casal cuja moto, por sua vez, teve problemas
mecânicos.
*Por volta das 5h15, a Brigada Militar avistou o veículo em alta
velocidade na rua Olavo Bilac, próximo à Cooperativa Vinícola Aurora, no
bairro Cidade Alta, e iniciou a perseguição. Segundo os policiais,
durante o trajeto, várias ordens para que o veículo parasse foram dadas,
todas sem sucesso. A polícia conseguiu encurralar os suspeitos em uma
rua não pavimentada no bairro Imigrante.
*Os policiais saíram da viatura para abordar os ocupantes da Fiorino.
Segundo a BM, o condutor teria engatado marcha ré e colidido com o
carro da guarnição. O motorista alega não ter conseguido subir pela rua e
que o veículo teria descido de ré, por acidente.
Os policiais
afirmam que foram ouvidos dois disparos de arma de fogo (os ocupantes
que sobreviveram rebatem, dizendo que ninguém no carro portava arma). A
Fiorino consegue fugir novamente e os policiais revidam os supostos
tiros, disparando contra a traseira da caminhonete, que consegue se
afastar.
*Os dois policiais que atenderam à ocorrência pedem reforços e várias
viaturas da BM começam as buscas pela região. Logo depois, a Fiorino é
encontrada em uma casa no bairro Fátima, onde residia um dos ocupantes
do carro. Havia marcas de pelo menos 10 tiros na lataria e no vidro. Ao
verificarem o veículo, os policiais encontram Anderson e Danúbio mortos
na parte traseira, com tiros na cabeça e em outras partes do corpo.
*O motorista da Fiorino foi encontrado ferido no telhado da casa. Ele
levou um tiro de raspão na orelha e foi encaminhado para atendimento
médico. O adolescente foi localizado no interior da moradia, sem
ferimentos.
*Segundo a BM, o local foi isolado até a chegada da perícia, que
encontrou um revólver calibre 38 com duas cápsulas deflagradas dentro do
compartimento de cargas, embaixo de uma mochila pertencente a uma das
vítimas. A arma teria sido usada, segundo a versão da BM, contra os
policiais.
*A Polícia Civil assumiu a investigação do caso, junto com a
Corregedoria-geral da Brigada Militar, que abriu Inquérito Policial
Militar paralelo para avaliar a conduta dos soldados. Os dois policiais
que atenderam a ocorrência foram afastados até o final da investigação e
as armas utilizadas por eles – uma pistola .40 e uma espingarda calibre
12 –, recolhidas para análise pericial.
*Anderson e Danúbio foram sepultados no Cemitério Parque Jardim do
Vale na tarde da última segunda-feira, dia 17. Após o enterro,
familiares e amigos se reuniram em frente à prefeitura para protestar e
conversaram com o prefeito Guilherme Pasin.
Saiba mais:
Jornal SerraNossa - Reportagem: Jonathan Zanotto, Jorge Bronzato Jr. e Greice Scotton