Prefeitura projeta retirar grupos das áreas em que estão e chegou a oferecer aluguel em prédio
A prefeitura iniciou, há alguns dias, a discussão para
realocação de camelôs e artesãos de rua que vendem seus produtos
principalmente no Centro de Bento Gonçalves. A proposta do Poder Público
– que já se reuniu com representantes do primeiro grupo no último dia
17 – é que, juntos, eles passem a ocupar um prédio comercial também na
área central, provavelmente na rua Marechal Floriano. A indicação de
mudança, entretanto, já não foi bem aceita pelos donos das 11 bancas no
primeiro debate.
Os artesãos instalados nos arredores da praça Bartholomeu Tacchini,
com quem a prefeitura ainda não se reuniu, também argumentarão a favor
da permanência ao ar livre. No caso deles, a sugestão apresentada será a
de remodelação das barraquinhas e a ocupação organizada do espaço de
lazer, liberando a calçada onde hoje expõem suas mercadorias.
De acordo com o secretário de Desenvolvimento Econômico, Neri
Mazzochin, um dos principais motivos para discutir a alteração são
questões ligadas à mobilidade urbana, já que os grupos estão em trechos
de rua ou passeio público. Mas, segundo ele, também estão entre os
objetivos da proposta apresentada pela administração “garantir melhores
condições de trabalho, segurança, higiene e bem-estar aos envolvidos”.
“O município vem trabalhando com esta possibilidade de forma
democrática, já que não há uma definição conclusiva para tal demanda”,
informou, por e-mail, o secretário. Mazzochin afirma ainda que o modelo a
ser seguido é o adotado em cidades maiores, como Caxias do Sul.
Diálogo
Articulador da discussão com a prefeitura, o camelô Jéferson Pereira,
que atua no ramo há 37 anos, ressalta que ainda é possível que as duas
partes, por meio de diálogo, encontrem outra solução que não seja a
transferência para um local fechado. Ele mesmo chegou a sugerir a
realocação de pelo menos três bancas como alternativa – uma, instalada
na rua Marechal Deodoro, seria deslocada para a praça Walter Galassi,
onde outras duas passariam a ocupar pequenas áreas de canteiro.
“Queremos que fique bom para o município e para nós, mas não podemos
sair da rua. Esse lugar que nos ofereceram não é adequado, nem foi
projetado para a gente. Ninguém gostou, porque não é uma proposta justa.
Nosso público é esse que passa aqui e, na maioria, das vezes, compra
por impulso”, diz Pereira.
“Ninguém vai entrar lá”
Camelô há 23 anos, Rosalina Caron Bigolin, também defende a
permanência na rua, embora reconheça que algumas alterações possam ser
discutidas. “Se for para a gente se organizar melhor, isso eu concordo.
Mas sair daqui, não. Não adianta nos colocarem em um lugar fechado,
ninguém vai entrar lá. E depois dos quatro anos, se a gente não
conseguir pagar o aluguel, como fica?”, questiona a vendedora. Por ano,
ela e os outros 10 colegas de trabalho, regulamentados por lei municipal
em agosto de 2003, desembolsam atualmente quase R$ 1 mil em alvará.
Artesãos propõem se integrar à praça Bartholomeu Tacchini com novas barracas
Há 14 anos vendendo seus produtos manufaturados na cidade, Charles
Provensi entende que o primeiro passo para que a prefeitura possa
conduzir discussões sobre mudanças no trabalho de artesãos e camelôs é
debater o assunto de forma distinta com os dois grupos, cada um com seus
representantes, opinião que segundo ele também é compartilhada pelos
demais companheiros da Associação dos Artesãos de Rua de Bento
Gonçalves. “É uma falta de bom senso querer misturar as duas classes,
principalmente porque temos públicos muito distintos. É como querer
misturar uma farmácia e um mercado, como as coisas eram antigamente”,
afirma.
À espera de que o Executivo os chame separadamente à mesa de
negociação, os integrantes da associação pretendem apresentar, como
alternativa, uma proposta para que não sejam retirados das proximidades
da praça Bartholomeu Tacchini. Pelo contrário: o que eles sugerem é uma
reformulação nas barraquinhas em que hoje dispõem suas mercadorias ao
público, que poderiam ter uma estética ligada a aspectos locais, e,
especialmente, sua transferência para o interior da praça. “Nós
entendemos e aceitamos que a cidade precisa evoluir, mas esperamos que o
Executivo municipal realmente possa nos escutar para realizar mais essa
etapa da evolução do artesanato de rua da nossa cidade. Queremos nos
encaminhar para uma melhor estrutura e essa pequena transformação, nos
integrando à praça, poderia servir de exemplo a muitas outras cidades.
Ficaria bom para a gente e bonito para a cidade. Nós precisamos estar na
rua, em lugares visíveis, e não vamos abrir mão disso. Não vamos
aceitar ir para um lugar fechado, isso seria um verdadeiro suicídio
existencial, porque vai contra tudo que a Associação defende”,
acrescenta.
De acordo com o artesão, a única solicitação da prefeitura, ainda em
2007, foi que ele e os companheiros não expusessem mais seus produtos no
chão. Com doação de um empresário, conseguiram as tendas utilizadas
hoje, e que após o horário de trabalho ficam guardadas em um espaço
alugado e pago por eles no Centro. Por conta própria, todos os
associados também se registraram como microempreendedores individuais.
“Nós estamos sempre em busca de um crescimento como cidadãos e
trabalhadores. Mudamos em 2007, como nos pediram, mas estamos em 2014 e
não temos nem sequer energia elétrica para poder trabalhar melhor. Se
for para fazer uma mudança, que seja uma mudança decente, pensando no
que precisamos e não apenas no que eles desejam”, conclui Charles.
Reportagem: Jornal SerraNossa - Jorge Bronzato Jr.